quarta-feira, 9 de setembro de 2015

Valhalla, estamos chegando!


Como parece clarividente pelo título deste post, sou um grande fã da lendária banda britânica Led Zeppelin - se você não entendeu a referência, favor clicar aqui. Juro que não é um vírus.

Entretanto, mesmo estando afastado há tempos deste blog, não falaremos aqui sobre música - claro, isso poderá mudar em um futuro próximo - mas sim, sobre a meteórica evolução da seleção nacional da Islândia.

Você pode estar se perguntando aí no conforto da sua cadeira: "Será que se joga futebol competitivo entre a neve e os pinguins?" ou ainda "Desde quando os islandeses sabem jogar futebol?". 

Primeiro, os penguins moram quase que exclusivamente no hemisfério sul do planeta Terra (a Islândia fica no extremo norte) e, segundo, leia o post até o fim.

Antes de qualquer papo futebolístico, permitam-me lhes fornecer um pouco de contexto.

A Islândia é uma ilha situada entre o Atlântico Norte e o Oceano Ártico, com uma área territorial de 103.000 km2.  A sua população gira em torno de 330 mil habitantes - menos de 10% da população da região metropolitana de Porto Alegre, para fins de exemplo. 

O país possui uma série de vulcões ativos e geleiras, e possui um dos melhores IDH's do mundo. A língua-mãe de seus habitantes - pasme - é o islandês, o dia mais semelhante à língua nórdica antiga. Surpreendentemente, é o único país signatário da OTAN a não possuir um exército ativo.

Mas o que isto tudo tem a ver com o conteúdo deste blog? 

Você já ouviu falar de alguma equipe ou jogador islandês relativamente relevantes - além do legendário e imortal Eiður Guðjohnsen, o centroavante de madeixas platinadas naturalmente que já vestiu os mantos de Chelsea e Barcelona?

A não ser que você se trate de um fã extremamente hardcore do futebol nórdico, as chances de que você conheça algum ente relacionado ao futebol islandês são remotas.

Dito isto, quais as chances de que a seleção nacional de um país como este seja relevante no futebol mundial? Poucas? Nulas? Aparentemente, são muito maiores e presentes do que você pode imaginar...

Caso você não saiba, no último domingo - 06 de setembro de 2015 - a seleção da Islândia se classificou para a fase final da Euro 2016. Caso você também não saiba, esta é a primeira vez na história que a equipe nacional se classifica para uma competição continental.

Após um empate sem gols contra o Cazaquistão, em meio a uma chuva torrencial, os islandeses alcançaram 19 pontos no grupo A, sete à frente da Turquia, terceira colocada, com dois jogos a serem disputados por cada seleção. Desta forma, garantiram a classificação antecipada à competição continental, junto da República Tcheca.

Surpreso? Você acreditaria se eu dissesse que a Islândia deixou ninguém mais, ninguém menos que a Holanda de fora da Euro 2016? Mais ainda, você acreditaria que os nórdicos bateram os nederlandeses nas duas partidas disputadas entre eles dentro do grupo? Veja com seus próprios olhos...




Veja o retrospecto da seleção da Islândia nos jogos disputados até então - faltam dois jogos, como já dito antes, contra a Letônia e a Turquia, a serem disputados em 10 e 13 de outubro de 2015, respectivamente:

- Islândia 3 x 0 Turquia - Reykjavik;
- Letônia 0 x 3 Islândia - Riga;
- Islândia 2 x 0 Holanda - Reykjavik;
- República Tcheca 2 x 1 Islândia - Plzen;
- Cazaquistão 0 x 3 Islândia - Astana;
- Islândia 2 x 1 República Tcheca - Reykjavik;
- Holanda 0 x 1 Islândia - Amsterdam;
- Islândia 0 x 0 Cazaquistão - Reykjavik.
Até agora, os islandeses sofreram míseros três gols - um deles contra do atacante Jón Daði Bödvarsson - em oito jogos disputados, vencendo seis partidas, empatando uma e perdendo apenas uma.


Como prova de que não se trata de uma surpresa tão gigantesca quanto a mitologia nórdica, cabe ressaltar que a Islândia esteve muitíssimo próxima de participar da Copa do Mundo de 2014: após se classificarem em segundo lugar no Grupo E das eliminatórias europeias, os nórdicos foram eliminados pela Croácia na repescagem, após um empate sem gols na ida em Reykjavik e uma derrota por 2 a 0 em Zagreb na volta.

Eu mencionei algumas vezes já neste post o termo "surpresa" e seus derivados. Mas você entende o porquê disso? Novamente, um pouco de contexto:

A Islândia passou a tentar a sorte na ida para a Copa do Mundo apenas a partir de 1958, quando disputou pela primeira vez as eliminatórias continentais - de 1930 a 1950, sequer participou, e em 1954, teve sua entrada nas eliminatórias negada pela FIFA.

De 1962 a 1970, também não participou das eliminatórias, voltando, definitivamente, a partir da Copa de 1974. Conquistou a sua primeira vitória apenas nas eliminatórias de 1978, sobre a Irlanda do Norte.

Chegou relativamente perto da classificação na fase eliminatória de 1994, quando ficou no terceiro lugar em seu grupo. Antes e depois disso - até a boa campanha de 2014 - apenas serviu como figurante e fonte de pontos fáceis para equipes de médio e alto escalão.

Na Euro - antigamente chamada de Copa das Nações Europeias - não esteve presente de forma regular até as eliminatórias de 1976 - com a exceção da edição de 1964, quando foi eliminada pela República da Irlanda na fase preliminar.

Costumeiramente, também foi um mero saco de pancadas nas fases eliminatórias; a Islândia conseguiu a façanha de perder os oito jogos que disputou nas eliminatórias da Euro 1980. Esta pecha, obviamente, deixa de existir a partir de hoje.

Para fins de parâmetro, a imagem abaixo representa a evolução da seleção islandesa no Ranking da FIFA desde sua criação, em 1993.


A melhor posição islandesa no Ranking, até 2014, foi o 39º lugar em 1994. Depois disso, vinte anos de consistentes quedas no rendimento se passaram até 2011, quando se iniciou o renascimento do futebol no país.

Um excelente trabalho de futebol de base, iniciado na segunda metade da década de 2000, começou a surtir efeito em um prazo relativamente curto - já que em 2013 a Islândia já apresentava uma seleção novamente competitiva, o que se refletia no 49º lugar no mesmo Ranking.

Em 2014, os islandeses atingiram o 33º lugar, e, neste ano, alcançaram a incrível 23ª colocação - para se ter uma pequena ideia, a Islândia está à frente de países como França (24ª), México (26ª), Estados Unidos (28ª), Suécia (36ª), e de outras seleções com muito mais experiência competitiva e tradição no esporte.

Mais um indicativo da evolução do futebol islandês? Da equipe-base da seleção (que estará a seguir no post), apenas Birkir Már Sævarsson, Kári Árnason, Ari Freyr Skúlason (três jogadores de defesa) não jogam em ligas de alto padrão na Europa - os dois primeiros atuam na Allsvenskan, primeira divisão da Suécia, e o último na Danish Superliga, primeira divisão da Dinamarca.

Para se ter uma ideia, o melhor jogador e cérebro da equipe, Gylfi Sigurðsson, é titular do Swansea City FC, time que disputa a Barclays Premier League - nada menos que a badalada primeira divisão inglesa.

Ainda, o capitão da equipe, Aron Gunnarson, joga no Cardiff City - que disputou recentemente a mesma Premier League - desde 2011 e atua na Inglaterra desde 2008.

Uma tríade de força física, organização e eficiência na frente da goleira caracteriza a equipe treinada por Lars Lägerback (que já treinou a seleção sueca), se constituindo em uma linha de quatro defensores vigorosos, um meio de campo voluntarioso e de ótima qualidade de passe e um ataque eficaz.

Time-base:
Hannes Þór Halldórsson;

Birkir Sævarsson, Kári Árnason, Ragnar Sigurðsson, Ari Skúlason;

Aron Gunnarsson, Gylfi Sigurðsson, Jóhann Guðmundsson, Birkir Bjarnason;

Jón Daði Böðvarsson, Kolbeinn Sigþórsson.

Acima: Ragnar Sigurðsson, Böðvarsson, Sigþórsson, Árnason, Sævarsson, Gylfi Sigurðsson;
Abaixo: Guðmundsson, Skúlason, Halldórsson, Bjarnason, Gunnarsson.

E a evolução não se dá só no futebol profissional: a seleção Sub-21 da Islândia recentemente se classificou antecipadamente para a disputa do Campeonato Europeu Sub-21 de 2017, derrotando, inclusive, a poderosa França, em 5 de setembro, pelo placar de 3 a 2.

O país famoso outrora pelos fortes atletas - a Islândia já venceu, por seus atletas, oito vezes o torneio World's Strongest Man - pelo handebol - o esporte nacional - e pelo futebol feminino - que nunca esteve abaixo da vigésima primeira colocação do Ranking da FIFA - agora também se torna notório pela incrível evolução do seu futebol profissional masculino.

Finalmente - e, ao que tudo indica, por muitos anos - a Islândia mostrará para o mundo que não é apenas a terra dos vulcões que causam catástrofes aéreas (leia-se erupção do vulcão Eyjafjallajökull em 2010), dos campos de lava e das enormes geleiras.

Antes conhecido por um dos fatos mais interessantes da história do Futebol - Eiður Guðjohnsen, em uma partida amistosa internacional em 1996, contra a Estônia, substituiu seu pai, Arnór Guðjohnsen, constituindo a primeira vez que filho substituiu pai em um jogo FIFA - agora o futebol islandês pode se orgulhar de ser representado internacionalmente por uma equipe competitiva e respeitada.

Para encerrar o post, voltamos brevemente ao âmbito musical: por coincidência, Robert Plant escreveu a letra de "Immigrant Song" após retornar de missão cultural promovida pelo governo da Islândia, no verão de 1970.

Profeticamente - para os fãs de futebol islandeses - o frontman do Led Zeppelin proferiu, nesta mesma música: "O martelo dos Deuses irá levar nossas embarcações à novas terras". A frase se tornou um dos símbolos da banda, e também serve como mantra para as conquistas futebolísticas islandesas.

Parece que Valhalla chegou para o futebol islandês. A Terra Prometida não estará exatamente em Asgard, um dos mundos controlados pelo Deus Odin.Valhalla se encontra, metaforicamente, na França, a partir da Euro 2016, e quem sabe, nas próximas competições internacionais disputadas pela Islândia.