Esta é uma nova seção do Catenaccio, que versará sobre craques que surgiram como grandes figuras do Futebol mundial, e por um motivo ou outro, caíram vertiginosamente de produção ou não corresponderam às expectativas criadas em si pelo público. Chamaremo-nos aqui como as Estrelas Cadentes.
Para estrear a seção, falaremos de um dos grandes atacantes a surgirem do continente africano, e que, por uma série de graves lesões no joelho, acabou por terminar a sua carreira precocemente. Trata-se de Pedro Manuel Torres, carinhosamente conhecido pelo público como Mantorras.
Nascido na cidade de Huambo, em Angola, em 18 de março de 1982, Pedro recebeu a sua alcunha por conta de ter recebido algumas queimaduras leves no corpo. Mantorras, como é conhecido no mundo inteiro, é uma mistura de Mano Torras, uma expressão que quer dizer, aproximadamente, "irmão tostado".
O jovem Mantorras cresceu sem a presença do pai, falecido aos 3 meses de idade, e pouco depois, sem a mãe, que faleceu quando este tinha 16 anos, e em meio à miséria. Apesar das dificuldades, iniciou a carreira pelo Progresso Associação do Sambizanga, clube situado na capital de Angola, Luanda.
Destacava-se pela força, qualidade técnica e frieza na frente da goleira, e chamou a atenção de diversos olheiros, inclusive de clubes como o Barcelona, onde estagiou por alguns meses. Não ficou no clube blaugrana pela impossibilidade de se manter mais um atleta extra-comunitário, vaga esta que seria ocupada por outra promessa africana, o meia-atacante Haruna Babangida.
Apesar de deixar Barcelona, Mantorras continuava muito bem visto pelos clubes europeus, e foi contratado, aos 17 anos, pelo pequeno Alverca, de Portugal, em 1999. O seu impacto seria imediato.
Na temporada 2000-01, a sua última pelo pequeno clube de Lisboa, marcou 9 gols no Campeonato Português, inclusive um em uma fabulosa atuação contra o poderoso Sporting Lisboa, auxiliando os Touros a manterem-se na primeira divisão. Chamou por mais uma vez a atenção de gigantes europeus, especialmente desta vez o Milan. Entretanto, a facilidade com a língua portuguesa falou mais alto, e o Benfica o contratou no final da temporada.
Estreando pelo Benfica na temporada 2001-02, atuou em 30 partidas na Liga e marcou 13 gols, tendo ainda 19 anos de idade, o que impressionou a todos. Na época, foi considerado como o maior jogador a surgir da África Portuguesa depois da lenda Eusébio, e continuava atraindo clubes como a Internazionale e novamente o Barcelona.
O próprio Eusébio declarou, na época, que se tratava de: "um jogador que tem qualidades especiais, e certamente terá um grande futuro pela frente".
Entretanto, Mantorras sofreu uma grave lesão no começo da temporada 2002-03, que o infernizaria até o final da sua carreira. Por muita sorte, o jogador angolano não encerrou sua carreira logo após o ocorrido.
O jovem atacante, na época da lesão com 20 anos de idade, teve de passar por quatro cirurgias num período de dois anos e meio de recuperação.
Conseguiu retornar aos gramados apenas na temporada 2004-05, época em que jogar tornou-se um martírio para ele. Mantorras não conseguia atuar mais de 15 minutos por jogo, devido às incessantes dores na articulação.
Apesar de sua contribuição relativamente pequena nesta temporada, o atacante auxiliou o Benfica a quebrar um jejum que já durava 11 anos, e a vencer o título do Campeonato Português.
Apesar da sua grave lesão, Mantorras, a cada vez que saía do banco de reservas e pisava no gramado, trazia alegria e excitação para os torcedores benfiquenses. O entusiasmo que trazia às partidas em cada atuação, bem como seu declarado amor ao clube benfiquense e a sua entrega dentro de campo o tornaram uma lenda viva do Estádio da Luz. Os poucos momentos em que atuava frente aos seus seguidores eram a parte mais emocionante das partidas.
Seu carinho pelo clube era tanto, que chegou a declarar que com certeza se aposentaria lá, e trabalharia até de graça.
Mesmo depois de totalmente recuperado e apto para disputar partidas inteiras, o atacante angolano jamais retornou à sua forma original, não logrando sucesso em disputar posição com os outros atacantes titulares da equipe.
No início do ano de 2011, após ter jogado apenas 10 minutos durante a temporada 2009-10, Mantorras decidiu dar por terminada sua carreira no Futebol, declarando que "era hora de parar de lutar contra o sofrimento". Pedro protocolou pedido de aposentadoria por invalidez, por conta da sua incapacidade física permanente.
Em julho de 2012 recebeu uma grande deferência do seu clube, atuando em partida de despedida em um Estádio da Luz completamente lotado e ovacionando o ídolo angolano. Craques consagradíssimos, como Ronaldo, Figo, Paulo Futre, Edgar Davids e Fabio Cannavaro atuaram nesta partida, que teve fins beneficentes e arrecadou uma ótima quantia para instituições de caridade. Pedro, relembrando sua época majestosa no Benfica, marcou um dos gols da vitória de seu time.
Em sua carreira internacional, vestiu por 29 vezes a camisa da Seleção de Angola, marcando 4 gols e fazendo parte da equipe que disputou a Copa do Mundo de 2006. Vale ressaltar que Angola foi a primeira seleção africana de língua portuguesa a disputar uma edição da Copa do Mundo. Mantorras jogaria duas partidas, ambas saindo do banco de reservas, não evitando a eliminação na primeira fase de seu país.
Ao todo, atuou 127 vezes pelo Benfica, marcando 31 vezes. Conquistou a Copa de Portugal na temporada 2003-04, o Campeonato Português nas temporadas 2004-05 e 2009-10, a Supercopa de Portugal em 2005, e a Copa da Liga Portuguesa em 2009-10.
Um atacante de força física, técnica e categoria, Mantorras despertava a alegria dentro dos estádios. Jogador efervescente, capaz de lances plásticos e de golaços inesperados, encantou o mundo no início dos anos 2000, quando era considerado uma das maiores promessas do Futebol.
O atual presidente do Benfica, Luís Filipe Vieira, na época da aposentadoria do atacante angolano, declarou: "Pedro é um exemplo de entrega, de sacrifício, de superação. É um exemplo de otimismo e persistência. Alguém que nunca deixou de lutar, que sempre superou as dificuldades que passou. (...) Mantorras nunca deixará o Benfica, pois faz parte da casa, da nossa história".
Um jovem corajoso, que saiu da miséria extrema de seu país para prosperar no Futebol português, entrando na história do Benfica. Nem mesmo as repetidas e insistentes lesões o deixaram de acreditar que poderia continuar jogando, e seu caráter e amor pelo clube o marcaram para sempre na história das Águias.
Provavelmente, se Mantorras não tivesse sofrido tantas lesões durante sua carreira, ou quem sabe se tivesse recebido um tratamento mais adequado, seria uma das referências do Futebol mundial. Fica a lembrança dos seus lances e da sua dedicação pelo Benfica.
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