segunda-feira, 15 de abril de 2013

Craques que Não Assistimos Jogar: Bert Trautmann

Um homem de sorte, mas, antes de qualquer coisa, bravo e vitorioso.

Ex-soldado paraquedista alemão, prisioneiro na Segunda Guerra Mundial, radicado na Inglaterra, que se tornou goleiro de Futebol aos 25 anos de idade, e que venceu uma FA Cup jogando com o pescoço quebrado. 

Roteiro de filme? Não, apenas o breve resumo da história do Craque que não Assistimos Jogar do post de hoje, Bert Trautmann.

Nascido em 22 de outubro de 1923, em Walle, na Alemanha, o jovem Bernhard Trautmann, desde cedo, era um aficionado por esportes, sendo bem sucedido em várias modalidades na sua infância.

Em 1941, juntou-se à Luftwaffe, a Força Aérea Alemã, iniciando como operador de rádio. Trautmann escapou diversas vezes da morte, estando presente, inclusive, na invasão aliada sobre a Normandia, e foi condecorado pelas suas participações nos eventos na Frente Oriental, recebendo a Cruz de Ferro.

Em 1944, o já sargento Trautmann foi promovido a combatente corpo-a-corpo, e com as seguidas derrotas do seu exército, decidiu desertar de sua unidade. Com medo de ser morto pelas próprias tropas alemãs, acabou sendo capturado por soldados americanos. Conseguiria fugir do aprisionamento, apenas para ser pego logo após por um soldado inglês. Não era a primeira ocasião em que Trautmann fugia, tendo sido também capturado pelo exército russo e pela Resistência Francesa. Nesta vez, entretanto, ele não tentaria fugir.

Dentre as suas diversas transferências de prisão sob posse do exército inglês, acabou em Ashton-in-Makerfield, campo de aprisionamento na própria Inglaterra. Lá, fez sucesso nas partidas de Futebol jogadas no presídio, atuando no meio de campo. Entretanto, após uma lesão sofrida, decidiu trocar de posições com um companheiro de equipe, iniciando involuntariamente uma das mais peculiares carreiras de goleiro da história.

Com o fechamento da prisão, em 1948, Trautmann decidiu não voltar para a Alemanha, e se estabeleceu ali mesmo, tornando-se fazendeiro, e jogando ocasionalmente no clube amador St. Helens Town. Fez um sucesso tremendo como goleiro, atraindo o interesse de vários clubes profissionais. O primeiro clube a lhe fazer uma proposta foi o Manchester City, que, em 1949, o contratou como amador, e o profissionalizou meses depois.

O seu início de carreira pelo Manchester City não foi livre de controvérsia. Os torcedores estavam indignados com a contratação de um ex-soldado da Luftwaffe, e ameaçaram realizar um boicote ao time. Além disso, Trautmann estava substituindo Frank Swift, um dos maiores goleiros da história do clube até então.

Entretanto, Bernhard foi bem recebido pelos seus colegas de equipe, incluindo o veterano de guerra e capitão do time, Eric Westwood, que declarou que não existiria guerra no vestiário do Manchester City. Foi lá que ganhou o apelido de Bert, pois era muito complicado para os seus companheiros de equipe, bem como para a imprensa local, chamá-lo de Bernhard.

Em seu primeiro jogo, recebeu vaias e xingamentos fortíssimos de sua torcida, contra o Bolton Wanderers. Trautmann teve uma atuação fantástica, e os protestos foram diminuindo a cada partida em que exibia seu estilo arrojado.

Na sua primeira partida jogada em Londres, em 1950, contra o Fulham, Trautmann foi recebido em um clima totalmente hostil. A torcida ainda tinha latente os danos que a Luftwaffe tinha causado à sua cidade, e Bert era o alvo da retaliação. Recebido com gritos de "Nazi" e "Kraut", e com o City em péssima fase na Liga, Trautmann teve uma das maiores atuações da carreira, evitando uma derrota de proporções estratosféricas, concedendo apenas um gol. Foi aplaudido de pé por ambas as torcidas, bem como por todos os jogadores em campo.

Após o rebaixamento em 1950, o City voltou à Primeira Divisão no ano seguinte, e nos próximos anos, Bert iria se consolidar como um dos maiores goleiros da Inglaterra. Suas atuações levaram a uma proposta do Schalke 04, que ofereceu ao City £1,000 por seu passe, o que, na época, era um valor muito bom. O clube rejeitou a proposta, declarando que o goleiro alemão valia, pelo menos, 20 vezes este montante.

Trautmann, além de realizar atuações memoráveis, tornou-se um goleiro inovador. No meio da década de 50, o treinador do City, Les McDowall, implantou um sistema de jogo que incluía um atacante bastante avançado, quase um centro-avante, que seria ninguém menos que o lendário Don Revie. 

O sistema tático de McDowall dependia da manutenção da posse de bola da equipe. Como, na época, os goleiros geralmente davam um balão para a frente assim que pegavam a bola, Bert teve de usar suas habilidades manuais - antes de ser jogador de futebol, jogou handebol - aprimorando seus lançamentos rápidos e longos, inspirados no goleiro húngaro Gyula Grosics.

Para iniciar os ataques, ou contra-ataques, Trautmann lançava a bola para os pontas, especialmente Ken Barnes ou John McTavish, iniciando as investidas com muita velocidade. Nesse sistema de jogo, o Manchester City atingiu a final da FA Cup de 1955, e Bert foi o primeiro alemão a disputar uma final de copa na Inglaterra. Infelizmente, o City sucumbiu ao mais forte Newcastle United, pelo placar de 3 a 1.

Em 1956, o Manchester City voltaria à final da FA Cup, depois de outra grande temporada. E nesta partida, Bert Trautmann atingiria status de mito no Futebol inglês. Após ter ganho a honraria de ser eleito o melhor jogador da Inglaterra na temporada, o primeiro goleiro a atingir este feito, Trautmann enfrentaria o Birmingham City no maior jogo da temporada.

Após o City liderar por 3 a 1, aos 30 minutos do segundo tempo, Peter Murphy, do Birmingham, foi lançado dentro da área, e Trautmann saiu aos seus pés. Em um choque fortíssimo, Trautmann e Murphy dividiram a bola, e Murphy atingiu o goleiro alemão no pescoço com o seu joelho (assista ao lance aqui: http://www.youtube.com/watch?v=rQWLuQPDs0o). O impacto foi tão forte que Bert havia quebrado o pescoço, literalmente.

De uma forma incrível, Trautmann levantou-se e continuou na partida - substituições não eram permitidas na época - realizando ainda outras defesas espetaculares. O Manchester City venceu a FA Cup, e Trautmann foi elevado a herói da conquista, merecidamente.

Após a partida, Bert foi à cerimônia de entrega do troféu, mesmo sem poder mexer a cabeça. No dia seguinte, descobriu que havia deslocado cinco vértebras do seu pescoço, tendo escapado da morte por meros detalhes.

Sua lesão o levou a perder muitas partidas da temporada 1956-57, e quando retornou, havia perdido a confiança em suas atuações. Entretanto, o corajoso goleiro retornou à boa forma, atuando como titular do Manchester City até o ano de 1964, quando se despediu em frente à uma plateia de cerca de 60 mil espectadores.

Ainda disputou duas partidas pelo Wellington Town, antes de se aposentar definitivamente do Futebol profissional.

Bert, desafortunada e injustamente, nunca atuou pela seleção de seu país, por conta de questões políticas. O treinador da época, Sepp Herberger, chegou a se reunir com ele, tendo dito que a Federação de seu país não permitia convocá-lo por não jogar na sua liga.

Um goleiro sem medo e dotado de grande frieza e inteligência, Trautmann tinha aproveitamento excelente contra cobranças de pênalti, defendendo 60% delas durante sua carreira. Ídolo de uma geração de goleiros, como Gordon Banks e Bob Wilson, bem como de seus contemporâneos, como o fantástico Lev Yashin, era também um homem de personalidade forte, tendo às vezes perdido a concentração com os seus próprios erros numa partida.

Entretanto, foi inovador e exemplo de coragem e dedicação a um time, tendo jogado praticamente a carreira inteira pelo Manchester City. Recebeu, ainda, uma homenagem por meio de seu nome em uma das arquibancadas do antigo estádio do City, Maine Road.

O mítico treinador Matt Busby, antes de disputar partidas contra o Manchester City, sabendo da capacidade de Bert para ler o pensamento dos seus adversários, dizia aos seus jogadores: "Não parem para pensar onde vão chutar. Chutem primeiro, e depois pensem. Se vocês olharem para a goleira e pensarem, Trautmann vai ler o seu pensamento e defender seu chute". Na mesma linha, o seu companheiro de equipe, Neil Young, declarou: "A única maneira de marcar um gol contra Bert, no treinamento, era errando o chute".

Sua defesa na FA Cup de 1956 foi eleita a maior defesa de todos os tempos na FA Cup, merecidamente.

Trautmann é membro do Hall da Fama do Futebol inglês, e recebeu a honraria da Oficial da Ordem do Império Britânico, por sua contribuição ao Futebol.

Mora hoje em uma casa de praia, em Valencia, na Espanha, com sua atual esposa. Ainda torce pelo Manchester City e pela Inglaterra, o lugar onde foi recebido.

Um vitorioso, tanto na vida, quanto na carreira profissional, Bert Trautmann é um dos grandes jogadores que, infelizmente, não pudemos ver jogar.

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